27 de outubro de 2009

"A Solidariedade"

"Não é novidade. De vez em quando, os artistas emprestam os seus torsos a campanhas e envergamT-shirts de ocasião. Contra a violência doméstica. Criticando o racismo. Em oposição ao terrorismo. Neste último caso, depende da equipa, latitude e estádio. Sensibilidades que, ainda assim, se manifestam nalguns relvados espanhóis.
Nestas campanhas, as estrelas da bola são acompanhadas pelos dirigentes. Os emblemas associam-se a recomendações emanadas das federações ou ligas e conversadas com o poder. A iniciativa vem de cima. O protesto é organizado. Nalguns casos, às portas das escadarias das bancadas são distribuídos cartazes, maisT-shirts e dísticos.
Não se procura, apenas, a denúncia dos muitos males que afectam as sociedades. Há a vontade de transformar o protesto em espectáculo. Para as televisões. E, assim, tentar que o pequeno ecrã suscite, por uma vez, boas consciências. A adesão é sempre garantida. E tudo se conclui com um aplauso. Programado, claro está.
Como o futebol é fenómeno de massas, porque congrega multidões à margem das suas mais diversas pertenças, a bola torna-se veículo útil para estas campanhas. A audiência está lá, sentada à espera que a bola role. Garantida, portanto.
Em Espanha, os que vão ao pontapé in loco, que saem de casa e rumam ao campo, são muitos mais do que os que participam em manifestações. De toda a espécie e pelos mais diversos motivos: sindicais, contra a guerra, pelas focas... Daí que, com uma boa causa e um campo médio, se passe a mensagem mais facilmente que em desfiles que cortam as ruas e atrapalham o sábado ou o domingo.
Por isso, as campanhas são comuns na bola. Como dantes o foram os minutos de silêncio. Nada de novo nestes exercícios de solidariedade. Correctos sob todos os prismas. Organizados. Consensuais. Um exercício de cidadania interessante. Sem problemas. Mas sempre há espaço para a novidade...
Campo Sánchez Pijuan, noite de sábado, 24 de Outubro, temperatura estival, estádio cheio para ver o local, o Sevilha, com o Espanyol de Barcelona. Os adeptos estão distanciados. Colocados em bancadas opostas. O ambiente é tranquilo e não há história de rivalidades inultrapassáveis. Ao minuto 16, os da casa começam a aplaudir, com o ritmo compassado de que só os andaluzes são capazes. Gritam por António Puerta, o 16 da equipa que, em 28 de Agosto de 2007, morreu no campo, num jogo com o Getafe. Morte súbita. Não esperada. Os espanholistas no estádio acompanham.
Cinco minutos depois, ao minuto 21, os da Catalunha aplaudem e gritam "Jarque", em homenagem a Dani Jarque, que sucumbiu em 8 de Agosto último no centro de estágio de Coverciano, em Bolonha. Também de morte súbita. Não esperada. Os sevilhistas acompanham a recordação.
Foram dois minutos ímpares. Espontâneos. Autênticos. Comoventes e que comoveram. A prova de que a solidariedade não precisa de campanhas. Basta a compaixão. E a memória."
in Publico.pt

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